24 de outubro de 2012

Para sempre até amanhã.

Tinha que ser hoje. Acordara quase ao meio-dia, com a preguiça comum de todas as horas, e resolveu: vai ser hoje. Levantou da cama procurando forças em seus membros, passando a mão pelos cabelos bagunçados. "Olheiras, tenho certeza", ela pensava. Olhou-se no espelho e teve um pequeno susto. "O que eu fiz de mim?" Há quatro meses o namoro que duraria eternamente havia acabado. "A gente não dá mais certo, você sabe. As coisas não estão se movendo." Lembrava daquela fala dolorosa e assustadora do cara que partiu seu coração, o seu tão romântico coração. O mundo tinha acabado. Parou de ir trabalhar, de sair com os amigos, e até de comprar roupas. Os livros foram jogados dentro do armário no quarto ao lado, e Deus sabe quais os tipos de insetos que estavam habitando aquele lugar. As pessoas desistiram de ligar para ela, perguntar como estava. Não adiantava, nada estava bem. Mas hoje ela ia voltar a viver. Tomou um banho gelado, comeu uma maçã que estava perdida na geladeira, jogou algumas coisas na bolsa e foi. O sol estava mais que condenante e, imaginava ela, a parada de ônibus iria parecer a quilômetros de distância, mesmo que sendo um quarteirão depois. Ligara para a mãe no dia interior e disse que queria voltar a escrever, qualquer coisa, nem que fossem cartas anônimas românticas, contanto que ela ganhasse um mísero salário para isso. O ônibus demorou apenas dez minutos e tinham cadeiras vagas para sentar. Ótimo, pensou ela, pelo menos o dia está começando certo. E riu. O dia teve início há muitas horas antes, mas, para ela, as coisas só começavam a funcionar após maravilhosas horas de sono. Não sabia ainda para onde ir. Havia olhado alguns jornais procurando algum tipo de trabalho que a agradasse, mas nada. E, pela primeira vez, não desistiu. Desceu em uma rua do centro da cidade, movimentada, entrou em algumas lojas, até que encontrou um pequeno sebo de livros. Era bonito, antigo, e um casal de quase-idosos estavam sentados, folheando as páginas de um exemplar que estava praticamente se desfazendo em suas mãos. Era ali, tinha certeza. Cumprimentou a senhora, deu um sorriso fraco de início, mas, ao ver aquele sorriso de anos, um olhar cansado, mas cheio de alegria, sentiu vontade. Vontade de ser alguém melhor, de abraçar as pessoas na rua, de amar o primeiro homem sincero que lhe aparecesse. De amar a vida. Conversou com o casal e contou que precisava de um emprego, mesmo que fosse limpando os livros, não importava, ela apenas queria ser útil. O senhor pegou em uma de suas mãos e disse que ela seria bem-vinda, mas que trabalharia não limpando os livros, e sim escrevendo novos. "Pode levar um mês ou um ano, só escreva. Escreva sentimentos, sonhos, gestos. Escreva cada palavra escondida dentro de si." E escreveu, cada dia como um dia comum cheio de sorrisos, amores, segredos. E esperava que, um dia, outras pessoas pudesse ler aquelas palavras que demoraram tanto para sair e serem vistas, que demoraram para serem criadas e expressadas. O que era importante, naquele momento, era que ela sabia que as coisas poderiam existir por horas ou vidas, e que tudo seria para sempre, mesmo que só durasse até amanhã.

O que dá vontade de sorrir.


17 de outubro de 2012

De casa para casa.

A fila do check-in estava enorme. Gente de tantos lugares, tantos sotaques, tantos mundos. Eu estava começando a ficar assustada, não tinha dado tempo de matar toda a saudade e ela já estava ali, voltando pro lugarzinho exclusivo dela no meu peito. Meu irmão não quis ir me deixar no aeroporto, preferiu ficar em casa com a namorada. Namorada, poxa, quem diria?! Eu nunca imaginei que teria que dividir o tempo dele com outra pessoa. "As pessoas crescem", eu pensei, enquanto ele me dava um beijo no rosto e gritava tchau como se significasse até logo. O voo não foi tranquilo. Sentei próxima a saída de emergência e a aeromoça me deu um papel, e nele dizia que, ao sentar naquela poltrona, eu estaria me responsabilizando em ajudar todas as pessoas ali presentes, caso acontecesse alguma tragédia (ok, não foram exatamente essas palavras). "Eu? Responsável por aquelas vidas? Mas eu nem conseguiria me salvar, imagina salvar os outros!", falei com meus botões, nervosa, balançando as pernas e olhando para as pessoas ao meu redor. Me segurei forte, e esperei o avião decolar. O homem sentado ao meu lado paquerava a aeromoça, e eu estava ficando constrangida. Quarenta minutos que mais pareceram quarenta dias. Quando cheguei em casa fiquei alguns minutos olhando para a porta, imaginando o que me esperaria por trás dela: nada. Vazio, eco, silêncio. As lágrimas começaram a escorrer, como se tivessem vida própria. É triste, sabe? Eu sentia tudo em mim querer desmoronar, sentar ali no chão e, sei lá, esperar alguma coisa interessante. O mundo parecia estar dormindo, as pessoas haviam desaparecido. Nem os grilos faziam algum barulho. A gente nasce só e cresce junto, e se acostuma com as presenças, com as vozes. De longe, posso sentir o cheiro do perfume da minha mãe, posso até ouvir minha vó contando as mesmas piadas e todo mundo rindo. De longe, posso ouvir meu pai cantando Queen como se o mundo fosse acabar. Eles me deixam e a saudade fica, feito passarinho novo que não desgruda da mãe.