27 de novembro de 2012

Todo dia é um dia novo.

            "Todo dia de manhã é nostalgia das besteiras que fizemos ontem." (OTM)

É costume meu passar mais tempo reclamando e odiando a vida, que até esqueço como, algumas vezes, ela pode ser divertida, até interessante. Não encontrei um amor novo, nem aprendi a fazer café. Ainda continuo queimando as comidas ao colocá-las no fogo, e tenho preguiça de sair nos fins de semana. Mas eu quero dizer que todo dia, quando eu acordo, a primeira coisa que faço é olhar para o céu. Eu acho que tenho um certo tipo de amor platônico por aquele mar azul com algodões brancos. Queria que saber como é o cheiro de céu, de nuvem, de vento limpo. Eu tenho dessas coisas que mais ninguém tem, sabe? Ou talvez tenha, não sei. E eu queria fazer as coisas direitinho: café, arroz, pão torrado sem queimar. Andar nas ruas de mãos dadas, conversar besteira, e sonhar junto. Todo dia é um dia novo, ensolarado, azul, com coisas bonitas pra gente se apegar.

21 de novembro de 2012

A vida que me ensinaram.

Era dia de arrumar meu apartamento e coloquei Educação Sentimental II para tocar. Com fones no ouvido e pronta para esquecer dos vizinhos, comecei a cantar junto com a Paula Toller. "A vida que me ensinaaram como uma vida normaaal...", minha voz era tão horrível que eu tinha medo de que a senhora que mora ao lado chamasse a polícia. Não era dia de me importar, de parecer uma gata borralheira esperando que aparecesse uma fada madrinha ou abóbora em forma de carruagem. Essas coisas não eram do meu mundo, e eu não esperava que um dia fossem. Minha mãe sempre falava que as coisas iam dar errado para mim porque eu as fazia darem errado. Sempre fui desastrada e preguiçosa, e tomava banho correndo para sair de casa cedo, sem precisar arrumar meu quarto. Chegava na escola e jogava a bolsa no chão, feito menina-moleque. Em casa, eu andava de descalça e sempre ouvia meu pai gritar lá da cozinha: "menina, calça essa chinela!" Não pensava no futuro ou se algum dia teria um namorado, muito menos pensava em viver só, tendo que pagar contas ou achar alguém para consertar o vazamento do banheiro. Dizem por ai que envelheci, que relaxei. Acostumei com a vida, só isso. Acordar cedo, tomar banho gelado, me arrumar apressadamente para esperar quarenta minutos por uma carona que não chega nunca. Aprendi a andar de ônibus, mas não aprendi a fazer café. O arroz sempre fica salgado demais e eu nunca consigo fazer certo. O mundo é meio torto para mim. Ou eu que sou torta para ele. Peguei mania de limpeza e vejo novela todo dia. A gente envelhece e nem percebe. Quando vê, já tá quarentona, enlouquecendo com o trabalho, cheia de cabelos brancos e com dois filhos para criar. Adolescente de quinze anos querendo sair de casa e eu já querendo voltar. "Tinha trabaaalho, dinheeeiro, família, filhos e tal..." A senhora grita que sou louca, que vai reclamar para o síndico, "isso é um absurdo!". Eu paro, rio baixinho e imagino se serei que nem ela, amargurada e sozinha, comprando ração para os gatos da rua. Hora de cantar no banho.

17 de novembro de 2012

"Happiness only real when shared."


Cada segundinho fica guardado no meu coração como se fosse único: desde a hora da chegada até a partida. O primeiro e último abraço. Eu nunca consigo escrever sobre a minha família sem derramar uma boa quantidade de lágrimas, mas de amor. Lágrimas de alegria e, desde já, de saudade. "Daqui a um mês a gente vem te buscar", meu pai disse. Quando eu me mudei para cá, eu era sonhadora (não que eu tenha deixado de ser); eu era passarinho novo levantando as asas para voar pela primeira vez. Eu conheci o lado ruim e o lado bom de ficar longe de casa. Conheci pessoas maravilhosas e pessoas que me fizeram ter vontade de desistir. Sempre fiquei em cima do muro, sem saber para que lado correr, se ficava ou se voltava, mas decidi. Tudo que eu mais gosto no mundo está a seiscentos quilômetros de mim, cinco horas e meia de viagem. "São tempos difíceis para os sonhadores", eu vi num filme. Mas é que eu quero continuar sonhando, porque longe de casa o mundo fica quase todo vazio para mim. Longe de casa o sorriso é mais cansado, com um quê de tristeza. Longe de casa eu fico com o coração partido, porque casa é onde tá pai e mãe, bolo de cenoura, visita de vó. Eu passei todos os dias, desde a última vinda dos meus pais, contando a volta deles. Eu marcava no calendário quanto faltava para eles chegarem. Até acordei cedo o tempo todo que eles estiveram aqui, para não perder nada, nem uma respiração sequer. Abracei e beijei o tanto que eu podia, cheirei e guardei tudo na memória da alma, para mais uma espera, porque demora, sabe? É como se cada hora se tornasse uma vida. Mas eu esperei nove meses para nascer e conhecer o rosto deles, então acho que consigo sobreviver esperando alguns dias a mais. Deixa a saudade crescer no peito e multiplicar, porque é dela que a gente se alimenta.

14 de novembro de 2012

"Você me faz parecer menos só, menos sozinho."

Tudo ficara pequeno diante da imensidão daquele céu azul. O sol tentava queimar todos os seus neurônios e o vento a carregava para os lados, como se ela fosse pena, leve e solta, folha de primavera. Ia encontrar o grande amor da sua vida naquele barzinho da esquina, de um amigo de um primo. "Você vai gostar, tem música boa e conversa maneira", seu primo dissera. Quem fala "conversa maneira" hoje em dia? Família é um negócio que ninguém entende. Não sabia o que vestir, os sapatos seriam simples demais? Que tal o vestido tubinho preto, discreto, mas que a faria parecer uma mulher? Sua mãe sempre dissera que aquele rostinho de menina nunca a faria crescer na vida, que seria difícil conseguir o respeito das pessoas, e jamais conseguiria um namorado. "Agora eu tenho o amor da minha vida, mamãe", ligara para ela no dia anterior, contando como havia conseguido o que sempre sonhou. Tomou um banho, escovou os cabelos pretos e longos, brilhantes. Nunca fora boa em usar maquiagem, envelhecia demais e a deixava parecendo alguém de outro planeta. Um pouco de batom e um colar que não chamasse a atenção. Tudo nela era calmo, discreto, escondido. O mundo era uma grande festa e era aquela garota que ficava escondida no box do banheiro, rezando para todo o barulho acabar e ela poder ir para casa. Escolheu os sapatos mais bonitos, pretos também, sem brilho. Já estava atrasada quando ligou para o táxi, trancou a porta do pequeno apartamento e se foi. No caminho, pensou na vida, mais uma vez. As estrelas haviam desaparecido e ela apostava que ia chover, mas esperava não ter que passar a noite em casa, sozinha, ouvindo os pingos através da sua janela. O lençol, ultimamente, era sua mais fiel companhia. Joe, o gato, havia fugido há alguns meses, deixando seu coração partido. Foi então que ela decidiu que deveria existir alguém no mundo para ela, um ser humano que seja, porque Deus não poderia tê-la colocado no mundo para viver num apartamento de dois quartos sozinha, abandonada por um gato. Ao entrar no bar, reconheceu algumas pessoas, conhecidos de faculdade, ninguém importante. Quando olhou para uma mesa, encostada no canto mais escondido dali, o viu. Um cigarro na mão e um copo de vodka, um olhar triste, cansado. "Ele é tão bonito", pensou consigo, enquanto sorria torto. Andou até a mesa e, quando ele a viu, o mundo girou em sua cabeça e jamais imaginara que a mulher da sua vida fosse tão bonita. Eles se conheceram num restaurante, haviam dividido uma mesa e se encantaram um com o outro. E foi assim, nada sério, sempre com medo de pisar no lugar errado e destruir todo aquele castelo de sentimentos. Ele se levantou, jogou o cigarro fora, e deixou toda a tristeza ir junto com ele. Se abraçaram e logo o beijo foi dado, ele com as mãos em sua cintura, ela com as mãos em seu cabelo liso, caindo nos ombros, com cheiro de shampoo de menino. Era isso, ele era um menino, cheio de manhas, de sonhos altos e imaginação. E ela queria beijar cada parte do seu rosto e dizer aquilo que o Zeca Baleiro disse em uma música que não lembrava o nome: "você me faz parecer menos só, menos sozinho, você me faz parecer menos pó, menos pozinho". A noite foi longa, quase durou uma vida, e ela sabia que eles continuariam tímidos, apaixonados, feito adolescentes de 13 anos, primeiro amor de escola.