15 de maio de 2015

"Que tipo de homem escreve uma história de amor?"

Eu preferia ficar em casa lendo. Odiava sair e ver gente. Só gostava de ver você. Mas você gostava de ver gente. E eu reclamava e pirava e a gente parecia dois doidos perdidos que uma hora ou outra iam acabar se matando. E eu gostava tanto de você e dos seus cabelos longos e ficava desiludida quando você resolvia cortar e me aparecia feito um menino de onze anos, com um sorriso de moleque na cara, implorando por amor. Mas era tão lindo. E eu não me imaginava vivendo uma vida sem essa tua meninice sem fim, apesar do trabalho que você me dava. Às vezes eu pensava se não tava te criando pro mundo. E eu tinha tanto medo de te preparar pra tudo e você voar feito passarinho que cansou do ninho. Eu não era um ninho. Você que era o meu. E você também gostava do meu cabelo e dizia que era minha cor. E me fazia ouvir umas bandas esquisitas e a gente andava a pé na rua porque nessa época ninguém tinha carro. E eu lembro daquela vez que você tava doente e veio me ver de todo jeito e eu te beijava e sentia aquele calor da febre e você não tava nem aí. Você nunca se preocupava com nada mas só queria que eu saísse de casa. E eu, com meus pouco mais de um metro e meio de altura, parecia um pinguim de geladeira do teu lado. Eu era tão desequilibrada e sem vontade de nada que eu só queria ter você e um livro pra ler. Eu sabia que a gente ia se deixar um dia, mas também sabia que ia voltar. Por que você tinha que ser tão tão tão assim e eu ser tão tão tãozinho. E o menino viraria homem e eu continuaria no mesmo lugar, esperando a banda passar, esperando o sinal fechar, virar mulher feito um clichê ambulante com zero criatividade pra continuar vivendo. Você aprenderia muita coisa mas no final continuaria com o mesmo jeito de quem não tá nem aí. Nem aqui. Porque você dizia que tudo tinha que ser do meu jeito mas você não era do meu jeito e eu queria tanto tanto tanto. Queria te ter menino numa gaiola sem porta pra você se libertar. Mas sempre tem uma janela.

14 de maio de 2015

"Get out while you can."

Eu sabia que acordar nesse dia não era uma boa opção. Mas eu tinha que ir ao médico fazer exame sei lá de que - esses exames que a gente faz quando não tem doença e fica querendo encontrar uma. Culpa da minha mãe. Culpa dela porque, se não fosse por ela, eu não iria aos médicos. Eu tenho pavor à medicina. Eu tenho pavor à ideia de que a gente tá ali, com umas dores na unha, vai no médico e descobre que tem que retirar a vesícula. "Mas eu nem sabia que precisava de vesícula." E como precisava. Faz uma falta danada essa tal de vesícula. Mais falta que aquele namorado que você morria de amores por ele. Você só nota que aquela coisinha existia quando a perde. É a mesma coisa que uma relação entre seres humanos. Mas o meu ponto é que eu sabia que, mais uma vez, ia dar tudo errado nesse dia. Porque o despertador tocou oito horas mas só consegui abrir os olhos às nove. Porque sonhei que ganhava na loteria. Porque tinha que lavar o cabelo. Porque tinha que escrever algo pra monografia - só consegui escrever uma página e um título - o que já é algo, porque não sei lidar com a ideia de criar títulos. E ai a médica disse que tô bem. "Vamo passar uns exames de rotina." Exame de sangue de novo. Ela não podia passar ultrassom, eu não podia beber aquele tanto de água e vomitar mais uma vez na clínica onde todo mundo já tinha gravado minha cara porque eu já tinha vomitado três vezes por lá. "Não passa ultrassom." Não passou. Exame de sangue. Outro dilema. Minhas veias são tão problemáticas quanto minha própria vida. Acho que o stress reflete no meu sangue e ele resolve que não quer sair, não importa se tem uma agulha e uma seringa ali, implorando pra que ele venha. Não sai. Ai aquela maldita enfermeira aperta meu braço pro sangue sair. E ele sai, mas é tão à força, como que quem é puxado pelos cabelos. "Volta aqui pra mostrar os resultados." Não vou voltar. Não quero saber quais doenças eu tenho ou quais possíveis doenças poderei ter. E eu tinha medo de perguntar aos céus se mais alguma coisa podia piorar porque eu sabia a resposta. Sabia que podia porque minha vida é essa eterna provação: tá ruim, mas piora. E ai eu tinha que ir pra aula. O dilema de ir, ter um horário e ficar esperando até às dez pelo meu irmão. E o mal estar que me dá ao pensar na ideia de ficar sentada naquele banco duro onde parece que logo, logo não vou mais conseguir levantar de lá. E olhar pra aquelas pessoas que eu sei que não gostam de mim porque todo mundo sabe que ninguém gosta de mim. Deve ter muita coisa errada comigo. Não tem aula. Eu sabia, sabia. Que até nas coisas mais simples, o universo resolve que não vai dar certo pra mim. Não vai dar certo e pronto. Não pode fugir à regra. Essa regra desengonçada de que se pode dar errado, vai dar. E era só mais uma quinta-feira normal. E faltava tanto ainda pra vida acabar. 

8 de maio de 2015

"You disregard the mess while I try to control the world."

Uma da manhã e você me tirou da cama. E nem tá aqui. E nem vai saber disso porque não vai ler esse besteirol todo que eu escrevo. E ai que eu tava pronta pra dormir e decidida a acordar um ser humano melhor porque as pessoas não são obrigadas a lidar com isso que eu sou, chata pra caralho. E toda errada. Mas se tinha alguém pra nascer errada, Deus me escolheu. E você era um idiota. Continua sendo, porque me faz escrever essas chatices que ninguém aguenta mais. Nem eu. Mas eu não consigo ficar em paz comigo mesma enquanto não me liberto. E meu estômago tá doendo desde cedo e eu queria tanto dormir mas mente vazia é oficina do diabo e meu sono foi embora. Obrigada, eu devo dizer. Por ser idiota. Mas eu tenho culpa no cartório por só preferir os idiotas porque eles são tão errados quanto eu. E eu sabia que ia dar tudo errado desde sempre mas eu preciso provar pra mim mesma que eu tenho razão. Até quando eu me fodo eu preciso ter razão. E eu tô ficando velha e cada vez mais perdida e errada e eu ainda boto fé que um dia vou acordar sabendo o que eu quero e quem eu quero. Ou sei lá, jogar tudo pro alto e sair berrando no meio da rua até que me levem pra alguma clínica e eu fique em paz sem obrigações. E eu fico encarando o teto e as paredes e pensando porque você tinha que ser todo errado também. Talvez porque quando alguém é certo eu estrago tudo sendo a errada e errando e ai quantos erros. Não me tira mais dessa cama. Fica ai na sua e eu na minha e bem de longe a gente vai se desviando e errando e odiando mais e mais os seres humanos que não erram porque ninguém pode errar tanto assim quanto a gente, pode? Dois fugitivos pirados perdidos.