21 de novembro de 2012

A vida que me ensinaram.

Era dia de arrumar meu apartamento e coloquei Educação Sentimental II para tocar. Com fones no ouvido e pronta para esquecer dos vizinhos, comecei a cantar junto com a Paula Toller. "A vida que me ensinaaram como uma vida normaaal...", minha voz era tão horrível que eu tinha medo de que a senhora que mora ao lado chamasse a polícia. Não era dia de me importar, de parecer uma gata borralheira esperando que aparecesse uma fada madrinha ou abóbora em forma de carruagem. Essas coisas não eram do meu mundo, e eu não esperava que um dia fossem. Minha mãe sempre falava que as coisas iam dar errado para mim porque eu as fazia darem errado. Sempre fui desastrada e preguiçosa, e tomava banho correndo para sair de casa cedo, sem precisar arrumar meu quarto. Chegava na escola e jogava a bolsa no chão, feito menina-moleque. Em casa, eu andava de descalça e sempre ouvia meu pai gritar lá da cozinha: "menina, calça essa chinela!" Não pensava no futuro ou se algum dia teria um namorado, muito menos pensava em viver só, tendo que pagar contas ou achar alguém para consertar o vazamento do banheiro. Dizem por ai que envelheci, que relaxei. Acostumei com a vida, só isso. Acordar cedo, tomar banho gelado, me arrumar apressadamente para esperar quarenta minutos por uma carona que não chega nunca. Aprendi a andar de ônibus, mas não aprendi a fazer café. O arroz sempre fica salgado demais e eu nunca consigo fazer certo. O mundo é meio torto para mim. Ou eu que sou torta para ele. Peguei mania de limpeza e vejo novela todo dia. A gente envelhece e nem percebe. Quando vê, já tá quarentona, enlouquecendo com o trabalho, cheia de cabelos brancos e com dois filhos para criar. Adolescente de quinze anos querendo sair de casa e eu já querendo voltar. "Tinha trabaaalho, dinheeeiro, família, filhos e tal..." A senhora grita que sou louca, que vai reclamar para o síndico, "isso é um absurdo!". Eu paro, rio baixinho e imagino se serei que nem ela, amargurada e sozinha, comprando ração para os gatos da rua. Hora de cantar no banho.

3 comentários:

  1. te imaginei olhando teus pais voltarem pra juazeiro e cantando na porta E AGORA VOCÊ VAI EMBORA E EU NÃO SEI O QUE FAZER

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  2. parece que a gente só nota o quanto colo de pai e mãe é bom quando a gente sai de casa.

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    1. Acho que se um dia eles lerem todas as minhas postagens aqui vão perceber isso.

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