8 de dezembro de 2010

Regras.

O sol. Foi a primeira coisa que eu vi ao abrir os olhos. Eu havia dormido na praia. Como? Eu realmente não sei, ou não lembro. Me levantei aos poucos, meio preguiçosa e com dor de cabeça; percebi que haviam algumas garrafas de bebidas ao meu lado. Bom, não tinha como eu ter sido assaltada, afinal eu só tinha um caderno e canetas, nem violentada, não sentia dores que remetessem a tal ideia. Acontece que eu tinha que me lembrar: o que eu estava fazendo ali? Que horas seriam? Ah, lembrei. Meu livro. Eu precisava escrever um livro novo, ou estaria na miséria. Não literalmente, afinal, dinheiro não era o meu problema, mas a miséria que defino é a decadência de ideias, porque estas estavam fugindo de mim, como crianças fogem do banho. Eu tenho trinta e um anos e não me considero uma mulher velha. Havia casado há quatro anos e Harry era um excelente marido: trabalhava durante a semana, apenas nos períodos da manhã e da tarde, dava-me tudo o que eu queria, mas eu não era o tipo de esposa que adorava ganhar anéis de diamantes como presentes. Não, eu era simples, gostava de coisas boas, roupas bonitas e discretas. Eu nunca gostei de chamar atenção. Mamãe havia me criado assim: totalmente correta, cheia de educação, estudando nos melhores colégios, não porque eu era da classe alta, mas sim para ser sempre uma moça de família educada e valorizada. Me formei em Letras, não porque eu quisesse lecionar, mas eu sempre amei os livros, para onde eu ia sempre uns dois ou três me acompanhavam, e eu passava horas ali, navegando naquelas histórias deliciosas e encantadas, e sempre disse a mim mesma que um dia eu também passaria aquela sensação, que eu sentia a maior parte dos meus dias ao ler, para as pessoas, e assim o fiz. Comecei a escrever em cadernos e diários aos treze anos, você sabe, coisas de adolescentes, mas nada muito elevado, só sonhos e nada mais. Consegui publicar meu primeiro livro apenas aos vinte e três anos. Sim, para mim isso foi muito tarde, porque depois que me casei as ideias começaram a vagar, mas eu conseguia escrever um livro a cada dois anos, entretanto isso não me satisfazia. Minhas leitoras eram mulheres, casadas, com filhos, completamente maduras. Eu conseguia vender muito, sabe, afinal os conteúdos eram comuns: eu escrevia sobre mulheres realizadas, porque era assim que eu me sentia, porém escrevia histórias diferentes, ficção, entende? Mas de uns meses para cá eu não consigo mais pensar em nada! Saio de casa com frequência, comecei a fumar constantemente, e bebo, não para ficar bêbada, mas para clarear minha mente. Harry anda preocupado. Ah, pobre Harry! Eu casei apenas por pensar que o que eu sentia era amor: Harry era inteligente, educado, simpático, me respeitava e me amava - e eu pensei que esses quesitos resultariam em um casamento feliz. Não quis ter filhos, não por não gostar de crianças, mas com elas eu teria que deixar meus livros de lado, e isso eu não faria. Há duas semanas atrás eu encontrei um homem em um bar, ele era charmoso, bonito, tinha mais ou menos a minha idade, pele clara, cabelos loiros escuros, olhos sedutores, e me hipnotizou. Sentou ao meu lado e começamos a conversar; falei sobre meu problema com ideias novas e ele me chamou para dar uma volta. Sim, vocês devem estar se perguntando como eu, uma mulher tão correta, aceitaria um convite de um desconhecido; aceitei, sem pensar no meu casamento ou no que as pessoas iriam dizer se me vissem. Bem, essa última ideia não era provável, porque já era tarde da noite e não poderiam haver conhecidos nas ruas. Não haviam estrelas no céu, o clima estava frio e eu sentia que logo, logo iria cair uma chuva daquelas. Eu tinha bebido apenas umas duas doses de vodka, mas resolvi deixar minha sanidade de lado e ele me levou ao seu apartamento. Conversamos mais e mais, rimos, ele me contou de sua vida, disse que já havia sido casado duas vezes, mas que os casamentos duravam pouco, porque ele não conseguia se acostumar com aquela vida de regras; era empresário, dono de um restaurante que vendia comidas de todos os tipos, mas não gostava de ficar todas as noites lá, preferia andar nos bares, jogar conversa fora, andar nas ruas à noite, ficar na praia por horas, essas coisas. Bebemos mais um pouco quando chegamos lá e, quando dei por mim, estava tirando a roupa. Eu realmente não lembro como aquilo começou, só lembro que seu corpo era o mais bonito que eu já poderia ter visto, parecia algo esculpido. Sua pele era macia, e ele passava seus dedos em minhas costas, me apertando contra si, e me maravilhando  a cada segundo. O que se passou aquela noite, e durante outras, não direi, porque foi a melhor experiência da minha vida. Não me arrependo, porque eu me senti uma mulher de verdade, fugindo de todos aqueles clichês educativos. Eu não era feliz com Harry, e demorei para perceber isso. E eu não tive medo de contar o que aconteceu à ele, afinal, eu não podia sacrificar minha vida por alguém que se dizia feliz comigo, mas no fundo estava apenas seguindo as regras do matrimônio. Saí de casa e estou morando em um apartamento pequeno, sozinha. John às vezes me visita e nos divertimos como dois adolescentes, mas não todos os dias, não quero criar uma rotina com ele. Quero surpresas, aventuras, deixar meu sangue fervendo em busca de ideias que me emocionem, que eu possa sentí-las na pele. Comecei a vir para a praia quase todas as noites, para escrever meu novo livro. Estava na metade, mas eu precisava de um final. Me pergunto porque alguns livros exigem um final, então resolvi fazer este de forma diferente. Escrevi, escrevi, escrevi, e do nada parei. Não tinha um final, era como se quando o leitor fosse virar para a última folha, acharia que a mesma havia sido rasgada, ou o livro veio com defeito de fábrica. Acho muito clichê livros com um final completo, ou então com aquela história de continuação. Este livro não teria continuação. As pessoas o leriam e iriam esperar por mais, mas não teriam. Para que, afinal, esperar por algo que você sabe que virá? Assim não tem graça. A graça está em esperar por algo e ficar na dúvida. Esperar, esperar e esperar. Expectativas demais só vão te deixar cansado. Mas uma dose de cansaço é que emociona, certo?

2 comentários:

  1. Li migs....a cada dia fico mais convencida de que vc será uma jornalista brilhante, escreve bem demais. A história é bem feita, mas que mulher danadinha né? kekekeke...adorei as frases finais: " Para que, afinal, esperar por algo que você sabe que virá? Assim não tem graça. A graça está em esperar por algo e ficar na dúvida. Esperar, esperar e esperar. Expectativas demais só vão te deixar cansado"


    Véeea

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  2. Vai lá no blog, vc foi indicado para o "selo de qualidade"

    Abraço.
    Palavras.

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